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Review “Chespirito: Sem Querer Querendo”

  • Foto do escritor: IA Santos
    IA Santos
  • 29 de jul.
  • 6 min de leitura

Uma biografia totalmente parcial sobre Roberto Gómez Bolaños


“Chespirito: Sem Querer Querendo” - Uma biografia totalmente parcial sobre Roberto Gómez Bolaños
“Chespirito: Sem Querer Querendo” - Uma biografia totalmente parcial sobre Roberto Gómez Bolaños

Fiz parte da geração de milhões de jovens que passaram a infância e adolescência almoçando na frente da TV sintonizada no SBT para ver Chaves e Chapolin. Também estou entre aqueles que mesmo depois de adultos ainda param para assistir caso “esbarre” com um dos episódios passando ali por acaso pelos recomendados do Youtube. Ainda uso frases célebres dos personagens no meu cotidiano. “No Dia de São Valentim não se bate” e “Já chegou o Disco Voador” são as minhas preferidas entre dezenas de outras.


Mas não parei por aí. Com o passar dos anos, acabei conhecendo muitas histórias sobre a controversa vida pessoal de Chespirito e todas as tretas entre ele e alguns outros antigos moradores da Vila, através de entrevistas, podcasts e vídeos de canais de curiosidades.


Por fim, fiquei muito triste quando confirmei que dessa vez era verdadeira a notícia que li no Twitter anunciando sua morte em novembro de 2014 depois da galera ter tentado matá-lo outras tantas vezes na mesma rede social. Lembro de no dia estar vestindo uma camiseta do Chapolin que comprei na Nerdstore por pura coincidência.


Portanto, você pode imaginar que recebi com entusiasmo a notícia de que a HBO estava produzindo uma minissérie biográfica sobre Bolaños inspirada no livro “Sem Querer Querendo. Memórias”, escrito pelo próprio. No entanto, confesso ter colocado um pé atrás quando descobri que alguns dos seus filhos estariam diretamente envolvidos na produção. E a razão para isso era simples:


As histórias narradas por Bolaños sobre si mesmo em sua autobiografia poderiam ser suficientes para manchar seu legado diante de um público ávido por problematização e cancelamentos.

Qual a razão de seus filhos quererem assumir esse risco? Infelizmente, a resposta é que não quiseram. E o que temos como consequência é uma biografia ficcional condescendente, parcial, enviesada e, na minha opinião, desrespeitosa com algumas personalidades.


Mas, assim como a série, acabei começando esse texto pelo final. Então me permita retomar do começo.


Como diz o ditado… “Nada é tão ruim que não possa ter sido bom no começo


“Chespirito: Sem Querer Querendo” estreou em 5 de junho na HBO prometendo revelar o homem por trás de seus tantos personagens lendários. Sua genialidade e suas sombras. E o maior acerto é de longe a ambientação impecável. Cenários, figurinos, fotografia e direção de arte recriam os cenários com precisão e encanto. A atmosfera cuidadosamente reconstruída para nos transportar para o México das décadas de 1950 à 1980 é irretocável.


Além da ambientação, a produção também foi muito feliz na seleção do elenco. Os atores fazem um trabalho realmente impressionante ao encarnarem personagens conhecidos mundialmente não só na aparência, mas no tom de voz, nos trejeitos e, acima de tudo, no distanciamento entre o ator original e quem ele interpretava nas séries, acertando em ambos.


Particularmente não me recordo de nenhum caso de exceção, embora forneça destaque ao trabalho de Juan Lecanda, intérprete do personagem Marcos Barragán - que seria Carlos Villagrán e que interpretou o Quico originalmente. Lecanda impressiona como Barragán / Villagran; como Quico e, além disso tudo, ainda consegue a façanha de não parecer um completo canastrão ao lidar com o material desenvolvido para seu personagem. E pra mim é aqui que a série comete pecados que considero imperdoáveis. Falo sobre isso adiante.


Se aproveitam da nossa nobreza


A série toma decisões narrativas questionáveis. Desde a primeira temporada da série The Witcher que vejo uma parcela do público dizendo que a narrativa não linear pode confundir e que, no mínimo, mais atrapalha do que ajuda. Aqui não é diferente. A montagem entre infância, juventude e auge profissional pode deixar alguns espectadores desorientados.


Certa vez li em algum lugar (realmente não lembro aonde) que se o autor precisa colocar a data ou o local antes de começar um parágrafo é porque ele não está contando a história direito. Isso também se aplica às produções audiovisuais. Por isso, concordo que as letras garrafais usadas para anunciar cada corte temporal podem denunciar limitações de recursos de roteiro, mas não chegaram a prejudicar minha experiência nesse sentido.


O mesmo vale para a inconsistência de ritmo e estilo. Ao longo dos oito episódios tive várias vezes a impressão de que a produção não chegou a uma conclusão sobre a linguagem estética que gostaria de adotar. O que me parece ter gerado certo desequilíbrio entre um episódio e outro. Conforme a série avança, a tensão emocional aumenta, mas o ritmo esfria deixando uma sensação de peso excessivo ou arrasto narrativo.


Outro incômodo foi a maneira como se decidiu mostrar de onde supostamente vinham as inspirações criativas de Chespirito. É claro que a observação do ambiente é determinante para o enriquecimento do processo criativo, mas em alguns momentos parecia que em meio a um total lapso de ideias ele era “agraciado” com uma nova solução para seus problemas, como uma passe de mágica.


Esta é uma visão típica de quem acredita que escrever bem - ou de maneira genial - é fruto de inspiração e não de trabalho constante. A série acerta ao mostras como Bolaños era extremamente dedicado ao seu trabalho, mas vacila ao sugerir que suas obras mais famosas surgiram quase do acaso, o que diminui, muito mais que enaltece sua genialidade como escritor.


Porém, nada disso seria suficiente para me fazer desgostar da obra. Pelo contrário, faço essas observações porque costumo ler livros e assistir filmes e séries com um olhar mais crítico, buscando aprender de forma mais técnica com seus acertos e erros. Por isso, às vezes acho que isso me torna um espectador chato. Outras vezes tenho certeza.


Minha decepção sobre a série surge de algo que considero bem mais grave e que não tem relação com equívocos técnicos, mas com escolhas conscientes e, portanto, desrespeitosas.

A Vingança nunca é Plena…


Sendo direto e pouco polido: “Chespirito: foi sem querer querendo” é covarde ao tentar blindar o artista Roberto Gómez Bolaños do cancelamento póstumo que poderia surgir como consequência da exposição de suas decisões controversas em vida para o grande público.


Não que a série não aborde ou ignore os casos de infidelidade, as inseguranças criativas, a ambição profissional e os conflitos com colegas e familiares, mas faz isso de maneira indulgente e relativista, deixando sempre a noção de que “tudo bem, ele fez… mas também…


Uma escolha problemática por si só, mas que se agrava ao ponto de tornar-se desrespeitosa quando decide retratar personagens baseados em pessoas reais de maneira quase caricata. Marcos Barragán e Maggie Ruiz são representados como antagonistas superficiais. Seus diálogos e atitudes aparentemente surgem de motivações mesquinhas, como típicos vilões de novelas mexicanas.


Tudo fica ainda pior quando percebemos que a escolha de pseudônimos para substituir os nomes verdadeiros poderia denunciar uma suposta decisão deliberada dos produtores de retratá-los exatamente desta maneira, ao mesmo tempo que evitariam processos judiciais ao defini-los como personagens fictícios quando na verdade todos sabemos se tratar de Carlos Villagrán (Quico) e Florinda Mezza (Dona Florinda).


Aqui vale ressaltar que não estou defendendo a idoneidade de caráter de ambos. Eles são (ou já foram) desafetos púbicos da família de Bolaños. Portanto, não é de se surpreender que sejam representados de maneira parcial e negativa em uma série produzida por um de seus filhos.


Meu problema é com a total ausência de preocupação em retratá-los com o mínimo de profundidade e verossimilhança com um ser humano real, ainda que falho. Exatamente o contrário do que fizeram com o protagonista, ainda que com bastante condescendência.


Por sorte, Carlos Villagrán e Florinda Mezza ainda estão vivos e lúcidos, e portanto plenamente capazes de manifestarem-se diante da maneira lamentável como foram retratados na série.

Tá bom, mas não se irrite


Através de uma direção de arte extremamente cuidadosa e um elenco livre de ressalvas, aliados à nostalgia e emoção que o personagem principal evoca, “Chespirito: foi sem querer querendo” mantém preservado o legado de Roberto Gómez Bolaños. O projeto reforça sua relevância como patrimônio cultural latino-americano e o impacto que sua obra provoca ainda hoje na maneira de fazer comédia. Uma pena que tenha decidido fazer isso sem importar-se com os holofotes negativos que jogariam em outras pessoas.


Se você é fã da Turma do Chaves e busca uma boa dose de nostalgia, vale a pena dar uma chance à série. Certamente vai se divertir - e até se emocionar - com a trilha sonora, os bastidores envolvendo episódios clássicos e o brilhante trabalho do elenco capaz de dar vida a personagens que nos acompanham durante tantos anos. Só não espere uma biografia minimamente imparcial ou mesmo justa. Nesse ponto a série falha miseravelmente. E me parece que isso foi mais “querendo” do que “sem querer”.


⭐️ Avaliação final: 2 de 5 estrelas

Não é aquela coisa que se diga "nossa, que série maravilhosa!", mas... dá pra ver

.


IA Santos

Já foi chamado de Bolaños pelos amigos e sempre achou o apelido lisonjeiro












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