“O Preço” – Por que o episódio 6 de The Last of Us é uma aula de roteiro
- IA Santos
- 19 de mai.
- 3 min de leitura

Acaba de ser lançado o episódio 6 da segunda temporada de The Last of Us e eu ainda me encontro arrebatado. A verdade, porém, é que para além da emoção, “O Preço” não é só um ótimo episódio — é uma verdadeira aula prática de como se escreve uma história que te destrói por dentro, mas de um jeito bonito. E aqui vai o porquê...
Mas antes: vou tentar evitar ao máximo, mas o texto pode conter alguns spoilers do episódio (e da série em geral). Continue por sua conta e risco.
Coescrito por Halley Gross e Graig Mazin (dirigido por Neil Druckmann), o episódio é uma verdadeira aula de roteiro e uso de técnicas de escrita criativa. E tema da aula é:
"Como mergulhar profundamente na complexa relação entre Joel e Ellie através de uma narrativa rica em nuances emocionais e estruturais."
E o que aprendemos nessa aula?
Como usar estrutura não linear e flashbacks para fortalecer relações
O episódio utiliza uma estrutura não linear, intercalando flashbacks que abrangem os vários anos de convívio em Jackson para construir as rachaduras emocionais entre Joel e Ellie. A gente vê momentos felizes, mas eles servem pra criar contraste e tensão com o presente. É a famosa regra do “plantar e colher” sendo usada com maestria. O que parecia fofo no começo vira combustível pro desespero que vem depois. A mesma técnica e intenção é aplicada na cena do diálogo entre Joel e o seu pai.
O uso eficaz do Show, don’t tell
Carinhosamente chamado de "mostre, não fale", esta técnica foi usada em vários momentos do episódio, como quando Ellie enxerga os vagalumes na floresta, ou a canção "Future Days" cantada pelo Joel. São cenas que não só criam uma atmosfera poética, mas também escancaram os sentimentos dos personagens sem que nada precise ser dito. O roteiro confia que seremos inteligentes e sensíveis o bastante pra entender a emoção e isso exige maturidade e segurança por parte dos roteiristas.
Aplicação impecável de diálogos autênticos e carregados de subtexto
E aqui chegamos ao que pra mim é o ponto alto do roteiro: Os diálogos! As conversas entre o Joel e a Ellie são carregadas de subtexto e revelam camadas extremamente profundas dos seus sentimentos. Perdoe-me o risco de cometer uma heresia etimológica, mas aqui o silêncio, literalmente, fala! Sentimos as dores dos personagens, mais pelo que eles não dizem do que pelo que dizem. Não tem gritaria exagerada, não tem monólogo expositivo: tem silêncio, pausa, frase curta. E tem peso. MUITO peso!
Criar desafios que exigem decisões difíceis e com consequências reais na trama
O episódio aprofunda o desenvolvimento dos personagens principais, explorando suas vulnerabilidades, medos e desejos. O roteiro não alivia. Não apela para o certo ou errado. Ao contrário, todo mundo aqui erra, escolhe, se arrepende. E precisa lidar com as consequências (pesadíssimas) das suas escolhas. Essa abordagem humaniza os protagonistas e permite que o público se conecte emocionalmente com suas jornadas.
Abordar temas delicados com naturalidade
"O Preço" aborda temas universais como amor, perda, redenção e o peso das escolhas. Mas também levanta questões morais muitas vezes complexas e destaca as consequências de ações motivadas por emoções profundas. Mas isso é feito sem uma tentativa de "levantar bandeiras" ou criar polêmicas posteriores. Tudo é transmitido com autenticidade. E é isso que torna o roteiro tão forte: é simples, profundo e real!
Portanto, concluo reafirmando a maestria com que este episódio revela na prática como as técnicas de escrita criativa podem e devem ser utilizadas para criar uma narrativa poderosa e emocionalmente ressonante. "O Preço" é aquele tipo de material que vale a pena ver e rever; pausar e anotar. Ou seja, se você escreve — ou quer escrever — histórias que emocionam sem clichê, tá aí um ótimo estudo de caso.
IA Santos
Com a música "O Preço" do Charlie Brown Jr. grudada na cabeça.
Comments