Estudantes em colapso!
- IA Santos

- 8 de jul.
- 5 min de leitura
Os desafios de educar uma geração hiperconectada e emocionalmente instável

Não faço a menor ideia dos critérios utilizados pelo meu cérebro para selecionar minhas memórias de longa duração. Mas me lembro muito bem da minha reação ao entender o significado da expressão “Tapar o Sol com a peneira”. Aliás, quem pensou na analogia está de parabéns.
“Tapar o Sol com a peneira”, foi a primeira expressão que me veio à cabeça quando ouvi pela primeira vez a notícia da lei que previa a restrição do uso de celular nas escolas.
Peço que segure as pedras por um momento. Eu realmente compreendo e concordo com os motivos que tornaram a restrição a única solução viável para diminuir o impacto dos problemas gerados pelo uso prolongado e indiscriminado dos aparelhos em sala de aula.
Por outro lado, também acredito que esta só foi a única solução viável porque o sistema educacional brasileiro não está preparado para lidar com as transformações profundas causadas pela revolução digital. E isso é uma constatação, não uma crítica. Juro!
Ansiedade, distração e superexposição digital como sintomas sociais
Desde que me conheço por gente - como aluno e professor - ouço desabafos frustrados de educadores sobre um suposto desinteresse crônico por parte dos alunos. No entanto, dados recentes confirmam o que já constatamos há muito tempo em nossa rotina de trabalho: aumentos expressivos nos diagnósticos de TDAH, ansiedade e depressão e casos de autolesão entre adolescentes. Ou seja, não se trata apenas de apatia ou preguiça juvenil. Não se limita ao desinteresse. É exaustão! Mental e emocional.
Estamos diante de uma geração ansiosa, constantemente bombardeada por estímulos e emocionalmente sobrecarregada pelo impacto dos eventos da história recente.
Muitos chegam à escola emocionalmente drenados: hiperconectividade, falta de sono, excesso de cobranças ou de permissividade em casa. Nesse contexto, exigir foco e produtividade soa quase como uma demonstração de crueldade.
Mas a escola faz o que pode (ou pelo menos tenta)
Longe de mim ser injusto - e aqui vou ignorar conscientemente a existência dos maus profissionais - Acredito honestamente que a escola reconhece o problema, mas o que os profissionais da educação podem fazer quando o próprio modelo educacional brasileiro funciona como se ainda estivéssemos em 1980?
Observo o trabalho de dezenas de educadores e reconheço o esforço: palestras sobre saúde mental, rodas de conversa, projetos socioemocionais entre muitas outras medidas bem intencionadas (inclusive a restrição do uso de celular nas salas de aula).
No entanto, precisamos ser realistas: não basta boa intenção para resolver o problema. A estrutura escolar é precária, mesmo na rede particular. O professor, sozinho, jamais irá conseguir dar conta de ser conteudista, mediador, terapeuta e ainda manter o próprio equilíbrio. Psicólogos, orientadores e espaços adequados para escuta e intervenção - quando disponíveis - ajudam a melhorar o cenário, mas acabam não sendo totalmente eficazes.
A questão é: educadores, orientadores e psicólogos escolares deveriam ser responsabilizados pelo atual fracasso escolar? Definitivamente, não!
Ou seja, é mais fácil proibir. E, infelizmente, não estou sendo irônico.
Penso no meu pai como um homem à frente do seu tempo. Numa época em que era muito comum uma criança levar umas chineladas quando fazia alguma besteira, ele preferia conduzir o filho a refletir sobre o erro (durante o castigo, temporariamente impossibilitado de fazer as coisas que gostava).
Não consigo imaginar meu coroa me proibindo de tomar uma decisão, antes de tentar me convencer sobre os malefícios que aquilo me traria ou as consequências negativas que poderia gerar. Veja bem, ele poderia até chegar a proibir caso eu insistisse em querer fazer uma merda muito grande, mas não antes de tentar me fazer entender o quão merda a ideia era e me convencer a desistir por mim mesmo. Isso é educar!
No Brasil, a escola precisa proibir porque tornou-se impossibilitada de educar
Enquanto o mundo discute saúde mental, inteligência emocional, senso crítico e o uso consciente da Inteligência Artificial nas séries básicas, o sistema educacional brasileiro insiste nas estruturas antiquadas, com currículos inflexíveis e métodos de aprovação complacentes que juntos promovem desinteresse e negligenciam o real aprendizado.
Professores são obrigados a seguir fielmente uma base curricular de ensino que falha miseravelmente ao não abordar com mais profundidade os temas que mais afetam a realidade atual do estudante, tais quais identidade, sociedade, ansiedade, desigualdade e futuro profissional. Os que tentam, ainda sofrem risco de exposição e represálias por parte da direção, secretaria de educação, dos responsáveis e até mesmo, dos próprios alunos, que muitas vezes permanecem alheios à importância do próprio desenvolvimento. Isso gera um abismo entre o que o jovem entende como “o mundo real” e o que ele aprende - ou não - na escola.
Cada vez mais o ambiente escolar deixa de ser “um mal necessário” e passa a realmente não fazer mais sentido do ponto de vista dos estudantes.
Neste contexto, limitar o uso de celulares nas escolas é a solução paliativa que permite que os profissionais da educação da linha de frente consigam desenvolver com o mínimo de dignidade sua rotina de trabalho previamente estabelecida por aqueles que deveriam dedicar as vinte e quatro horas dos seus dias à busca de soluções mais concretas.
Onde a escola realmente se encaixa?
No artigo A Escola Fracassou convido o leitor a refletir sobre como a escola irá sobreviver aos novos tempos inserida em um cenário onde se é praticamente impossível ensinar?
Porém, para mim esta é uma pergunta retórica, porque não acho que a escola conseguirá sobreviver. Pelo menos não como a conhecemos. O tempo de fingir que o sistema educacional brasileiro funciona acabou. Os alunos do novo milênio tem informações suficientes para enxergar através das hipocrisias e contradições do sistema educacional. Já não é mais possível "ensinar como sempre ensinamos".
A escola está diante de um dilema histórico: ou reconhece a necessidade de buscar soluções reais para lidar com os sintomas sociais da nova geração; ou continuará a perder relevância para sua clientela.
Não significa abandonar o conteúdo, abrir mão de exigência e fazer vista grossa para o fracasso escolar. Significa repensar o seu papel numa sociedade onde o conhecimento não encontra-se mais somente em livros didáticos e bibliotecas; onde o professor não é o único detentor da informação ou da suposta "verdade sobre o assunto".
Acredito que na escola como um lugar de conexão humana antes de tudo. Educar é acolher, escutar, adaptar e também aprender. Professores precisam ter recursos e autonomia em sala de aula para que possam ser capazes de transformar uma conversa despretensiosa sobre Big Brother Brasil em uma aula sobre o impacto da cultura do cancelamento no empreendedorismo sem serem cobrados por estarem "se desviando do propósito do conteúdo" ou acusados de serem doutrinadores, quando estão convidando à reflexões críticas sobre aspectos da sociedade.
Precisa-se de humildade para admitir que a escola fracassa ao tentar evitar o sofrimento e garantir a segurança dos jovens. A transformação começa quando realmente entendermos que o ambiente escolar do novo milênio deve ser um lugar de escolha e não de falta de opção para aqueles que estão dando os primeiros passos para o resto de suas vidas como cidadãos.
IA Santos
(Ficava de castigo quando não tirava notas boas, porque estudar era sua única obrigação)



Comentários