Do flop ao hype: o caso Emma Vieira
- IA Santos
- há 8 minutos
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E o que o conto de fadas da autora revela sobre o Mercado Editorial atual

Um dos dias mais felizes da minha vida foi o lançamento de Herança dos Reis. O evento aconteceu no Bar Dados (que na época ainda se chamava Dados de Nimb). Devia ter por volta de cem pessoas, incluindo clientes, amigos e alguns familiares. Todos fizeram questão de ter uma cópia autografada e eu perdi as contas de quantas fotos cafonas tirei apontando para o livro autografado. Eu sabia que daquelas cem pessoas, menos de dez tinham interesse real na jornada de Connor e seus companheiros, mas nem por isso fiquei menos feliz. O motivo da minha felicidade também não vinha do alívio de saber que o dinheiro daquelas pessoas seria mais do que suficiente para pagar todos os meus custos de publicação e ainda me sobrar alguns trocados.
Se não era por saber que seria lido e também não era o dinheiro que ganharia vendendo os livros, de onde vinha a minha sensação de realização como escritor naquele dia?
O Caso Emma Vieira
Herança dos Reis foi lançado em meados de 2020. Cinco anos depois, me deparo com o caso da escritora Emma Vieira, de 20 anos, que viralizou nas redes sociais depois de publicar um vídeo falando sobre a frustração de não ter recebido nenhum leitor em sua mesa de autógrafos na Bienal do Livro do Rio deste ano.
Emma é uma autora jovem e o que mais me chamou a atenção no seu vídeo foi o tom de esperança com que lidava com a situação. Uma esperança que demorou apenas uma semana para ser recompensada. Afinal, no fim de semana seguinte, viu seu estande antes vazio ser invadido por uma multidão de interessados. Dezenas de exemplares de sua obra esgotarem-se em minutos. Um sonho sendo realizado!
Vamos tirar o elefante da sala. Muito se especulou sobre o vídeo ter sido uma ação de marketing estratégico pensada para promover o produto e consequentemente a escritora. Eu particularmente não acredito nessa hipótese. Tampouco a condenaria se realmente fosse esse o caso.
Isso posto, podemos considerar como fato que o suspense juvenil Os Últimos Mestiços, que foi escrito quando a autora tinha 14 anos de idade, tornou-se um fenômeno de público apenas seis anos depois, devido a repercussão do desabafo em seu vídeo.
Ainda é sobre escrever?
Como historiador, aprendi que quase sempre é mais importante saber quem escreveu e em qual contexto um livro foi escrito do que o seu conteúdo. Essa não é uma verdade que se aplica necessariamente às obras de ficção, porém, vivemos em tempos em que o sucesso literário tem aparentemente se tornado menos sobre a obra e mais sobre quem escreve. Não acredito que Emma tenha planejado transformar sua dor em estratégia de marketing, mas sabemos o quanto o público ama esse tipo de narrativa. A mídia social morde, mastiga e regurgita casos como esse até transformar o que é genuíno em uma campanha de vendas, ainda que involuntária. E é aí que mora o perigo.
É muito tênue a linha entre a manifestação de uma dor espontânea e a criação de uma narrativa estrategicamente emocional proposital para chamar atenção para um produto.
A vaidade do artista e as necessidades do mercado
Salvas as devidas proporções, eu sei o que Emma sentiu. A felicidade diante do sonho realizado. O estande lotado, a fila de autógrafos, as fotos e vídeos, o merecido reconhecimento. Na hora, a gente não pensa se as pessoas estão ali pra fazer uma boa ação ou por empatia; se vão ou não ler seu exemplar autografado quando chegarem em casa ou se ele será relegado ao limbo esquecido de uma estante qualquer. Nada disso importa.
O mesmo vale para as editoras. Para elas, os números sempre irão importar mais do que as motivações dos personagens ou o impacto das narrativas. E sempre foi assim. Em vários trechos do fantástico Sobre a Escrita, Stephen King fala sobre o quanto odeia dar entrevistas, embora jamais ignore a importância delas para promover suas obras. Segundo ele, "faz parte da profissão”.
Autores e editoras precisam pensar em relevância. Não só a relevância das suas histórias, mas também - e talvez tão importante quanto - a relevância social do autor. Ótimos livros podem passar totalmente despercebidos e autores consagrados podem (e provavelmente vão) cair no esquecimento do público sem uma boa estratégia de marketing.
No entanto, o caso Emma escancarou — com dois pés no peito — as atuais prioridades do mercado (e não apenas o literário). A exploração do storytelling emocional é sempre uma poderosa estratégia de marketing e, nesse contexto, a história sobre a dor da autora passou a importar mais do que a história do seu livro.
O produto vira a pessoa. A emoção vira o gatilho. E, infelizmente, o “fracasso” serve como plataforma. É o que vende!
Mas será que isso realmente importa para Emma e para outros escritores iniciantes?
Recentemente publiquei o livro Anatomia da Fantasia Perfeita e o artigo Professor na Era do Apocalipse. Apesar das propostas serem totalmente diferentes, há uma crítica disfarçada de reflexão nas duas obras: o imediatismo como inimigo da profundidade. Vivemos uma crise de atenção ao mesmo tempo em que queremos tudo na hora, inclusive o sucesso. E o mercado busca recompensar quem aceita e/ou se adapta a essa lógica.
Vale deixar claro: Emma Vieira merece cada abraço, cada autógrafo, cada venda. Sua dor é legítima e sua conquista, comovente. Mas acredito que ela seja mais uma vítima de ouro de uma lógica de mercado que considero oportuna e mesquinha.
Carrego um desejo genuíno que a escritora Emma continue escrevendo e fazendo sucesso. Mas gostaria que conseguisse fazer isso com suas histórias e não por causa de um momento de sua história.
Ao mesmo tempo, também espero que o caso não sirva como exemplo para que novos escritores pensem que o sucesso literário depende mais de trending topics e virais do que de talento. E que as listas de mais vendidos não esteja mais dominada por obras supostamente escritas pelo “influencer do momento”.
A realização do escritor
A satisfação causada pelo reconhecimento expresso em uma foto ou em um autógrafo é legítima e deve ser aproveitada. Porém, confesso que por apenas algumas semanas, ela dublou minha percepção sobre o que acho mais importante para que um escritor se sinta plenamente realizado.
Acredito profundamente que escrevemos porque algo em nós precisa dizer alguma coisa. Passar uma mensagem que não saberíamos passar de outra forma. O livro é o registro dessa necessidade. A escrita é o que nos resta quando não conseguimos mais ficar calados.
É claro que sempre guardarei com muito carinho as lembranças do lançamento do Herança dos Reis. Fico emocionado quando lembro do brilho dos olhos dos meus coroas aguardando para que eu autografasse o livro deles. Mas não se compara ao orgulho que senti como escritor ao ver meus amigos Charlie e Nehan discutindo na mesa de um bar sobre as motivações de Raizin e Atlas. Ou que sinto cada vez que alguém vem me perguntar revoltado porque eu matei “aquele” personagem. Porque são em momentos como esses que me sinto totalmente preenchido. São neles e somente neles, que sinto que minha mensagem foi realmente passada.
A fama e as vendas deveriam ser uma consequência natural - e não o fim - da trajetória de um escritor. Escrever é um bom negócio? "Honesto e bom, pode crer. E a melhor parte é poder entregar sabendo que alguém vai ler".
IA Santos
(Não poderia terminar esse texto sem citar Linhas Tortas, do Gabriel o Pensador)
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