O Professor na era Era do Apocalipse
- IA Santos
- há 3 dias
- 4 min de leitura
Como ensinar no mundo que não quer aprender?

Eu amo minha profissão, mas vivo me perguntando o que leva alguém a tornar-se professor. No meu caso a resposta foi muito simples: pintou oportunidade. Tinha acabado de completar vinte anos, estava cursando Ciência da Computação e recebi a oferta de dar aula de Informática - sim, na época ainda chamávamos assim - para alunos da rede municipal de ensino de Cabo Frio, como parte de um projeto sobre Educação no Trânsito em parceria com o Detran. Quando entrei na sala de aula, foi amor à primeira vista. E isso não foi um eufemismo.
::. A benção e a maldição do magistério
Mas antes de me tornar instrutor de Informática, não havia sequer passado pela minha cabeça a ideia de ser professor. Não que eu nutrisse qualquer desgosto pela profissão, apesar de ter motivos pra isso, ainda que por influência.
É que venho de uma família de professores: mães, tias, primas e nenhuma delas nunca me encorajou (ou ninguém da família, ou ninguém de lugar nenhum) a seguir seus caminhos. Ao contrário - não que me lembre de ter ouvido isso de forma tão explícita - acho que o pensamento em comum era “não desejo o magistério nem para o meu pior inimigo”. Afinal, o descaso, a desvalorização e a rivalidade com outros professores que porventura estivessem na posição de diretores, dirigentes ou supervisores, eram temas rotineiros nas reuniões em casa, durante os fechamentos de diário e a merecida cerveja depois da labuta.
Literalmente cresci nesse contexto, então me parece fazer sentido que não quisesse seguir o caminho do magistério. Mas o fato é que, ao entrar pela primeira vez na sala de aula, senti algo diferente (que poderia batizar de “chamado”, mas prefiro não me enveredar por esse romantismo piegas). Consigo identificar exatamente o motivo:
Apresentar um novo conhecimento para um aluno e observar aquilo tomar forma em seu olhar até se tornar um movimento sutil de cabeça ou uma projeção específica dos lábios que confirma o aprendizado me fez sentir útil, como se tivesse encontrado um significado real para existir. E mais uma vez, não foi eufemismo.
Mesmo depois de vinte anos, para mim, isso ainda é o que resume o propósito do magistério. Tão simples de entender, e cada vez mais difícil - alguns diriam impossível (eu digo, improvável) - de alcançar. Por isso não se engane: eu amo a profissão, mas acho ser professor no Brasil uma merda!
::. A pedagogia do descaso
Vamos imaginar um professor recém concursado e totalmente bem intencionado entrando pela primeira vez em uma sala de aula. O que ele irá encontrar? Responda honestamente. Isso sem mencionar trânsito, salário, diário, pais, falta de estrutura, etc. (Se você é professor(a) e está lendo isso, peço sinceras desculpas caso tenha despertado alguns gatilhos.)
O colapso não é apenas do sistema educacional. É emocional, simbólico, existencial. Por muitas vezes, é como ensinar poesia em meio a guerra. Plantar sementes em solo salgado. Não é de hoje que a educação virou um campo de batalha entre modismos pedagógicos, burocracias estéreis e tecnologias mal compreendidas. O professor virou um técnico de sobrevivência, não um agente de transformação (e ainda não recebe insalubridade).
Seguimos planos de aula que ninguém revisa, aplicamos provas que ninguém corrige com atenção e atendemos pais que estão menos dispostos a ouvir críticas legítimas sobre seus filhos que governantes parecem estar dispostos a reverem planos de cargos e salários depois que foram eleitos.
Hoje o cenário está pior que ontem, que era pior que anteontem e assim permanece. Certa vez algum idiota afirmou que “magistério era sacerdócio”, uma piada de mal gosto com uma profissão tão nobre quanto a de educar. Outro idiota debochou dizendo que “quem sabe faz e quem não sabe ensina”. Frases que foram ditas muito antes da popularização das Redes Sociais, quando nem se pensava em Inteligência Artificial. Antigas percepções equivocadas que vêm ganhando força avassaladora nos últimos anos.
::. Ainda vale a pena?
Diante deste cenário apocalíptico, a pergunta faz-se necessária:
Ainda faz sentido ser (ou se tornar) professor em um mundo que não quer aprender?
Leve essa pergunta muito a sério e reflita bastante antes de responder. Se a sua resposta for “não”, tudo bem, você tem motivos mais que suficientes para chegar a essa conclusão.
Mas se a resposta for “sim”, tenho um trabalho, pra você (lá vem né!),
Calma, que na verdade não é bem um trabalho, está mais para um convite e também um pedido: comente sobre suas impressões sobre a educação e compartilhe com colegas que também se recusam a jogar a toalha do magistério. Continue acompanhando os artigos aqui no blog pra gente trocar uma ideia. O que precisamos fazer daqui pra frente é encontrar formas de vencer esta guerra.
IA Santos
(Que odeia a frase “magistério é sacerdócio”, mas acredita que ela carrega um pouco de verdade. Texto dedicado à minha mãe e todas as minhas tias professoras)
Ser professor sempre valerá a pena, apesar dos inúmeros desafios, da escassez de estrutura e do pouco reconhecimento. Concordo plenamente quando você diz que é um chamado. Talvez seja exatamente isso: um chamado. Porque, se fosse apenas pela remuneração, certamente estaríamos em posições / caminhos mais vantajosos financeiramente. O que nos faz escolher e permanecer nessa profissão é justamente essa convicção: a de sermos agentes de transformação, movidos pelo poder da educação.
Tenha certeza : educação tem poder !